Remoções em áreas de risco

O que você vai ler

Repensando práticas de mapeamento com base na justiça territorial e nos saberes da comunidade

Rodolfo Baêsso Moura, LabGRis UFABC, doutorando da Universidade Federal do ABC
Talita Anzei Gonsales, LabJuta UFABC, doutoranda da Universidade Federal do ABC
Fernando Rocha Nogueira, LabGRis UFABC, professor da Universidade Federal do ABC
Francisco de Assis Comaru, LabJuta UFABC, professor da Universidade Federal do ABC
Benedito Roberto Barbosa, LabJuta UFABC, doutorando da Universidade Federal do ABC
Isabella Berloffa Alho, LabJuta UFABC, graduanda da Universidade Federal do ABC


Este artigo tem como objetivo abordar a delicada temática dos processos de remoção associados a situações de risco, uma discussão que tem permeado os trabalhos de dois laboratórios de pesquisa da Universidade Federal da ABC (UFABC), o Laboratório de Gestão de Riscos (LabGRis) e o Laboratório Justiça Territorial (LabJUTA).

Ambos chegaram a esse tema a partir de distintas perspectivas que analisam o mesmo fenômeno. Aqui, discute-se essa interconexão de temas que vêm sendo abordados pelos laboratórios de forma conjunta: a remoção de moradias como resultado de mapeamentos de risco, num contexto de cidades desiguais e disputadas, e suas consequências para os moradores dessas áreas.

Dois momentos marcaram o histórico recente de convergência entre esses grupos de pesquisa.

  • O primeiro, em 2017, foi retratado na publicação “Precisamos falar sobre moradia nas áreas da Ecovias/Imigrantes: resistência popular e alternativas técnicas” (BARBOSA et al., 2017), que apresenta o processo de remoção de duas comunidades sob justificativa do risco.
  • O segundo, em 2018, com o evento “Qualificação da segurança em áreas e moradias em situação de risco, que teve por objetivo a construção de um consenso mínimo entre vários focos de in- teresse sobre o tratamento das condições de segurança de áreas e moradias em risco (ocupações de edifícios abandonados na região central de São Paulo e assentamentos populares em áreas de expansão urbana).

De forma simplificada, o risco possui dois componentes fundamentais: ameaça/perigo, que expressam a probabilidade de ocorrência de determinado processo físico; e a vulnerabilidade, que influencia o grau de perda socioeconômica da comunidade ou população quando ocorre um desastre (AUGUSTO FILHO; CERRI; AMENOMO- RI, 1990; CARDONA, 1993; LAVELL, 2000).

São vários os tipos de riscos: socioambientais, tecnológicos, econômicos, geopolíticos e sociais (VEYRET; RICHEMOND, 2007). No caso deste trabalho, serão abordados os riscos socioambientais.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 8 milhões de pessoas residem atualmente em áreas suscetíveis a processos de inundação, enxurrada e deslizamento.

A Região Sudeste se sobressai e o Estado de São Paulo conta 1,5 milhão de habitantes nessas condições, dentre os quais, aproximadamente 95% estão na Macrometrópole Paulista (MOURA; CANIL, 2019).

Trata-se de um problema construído socialmente e que representa potencialidades de desarranjos e rupturas no meio ambiente urbano (NOGUEIRA; PAIVA, 2018).

As ações para o seu tratamento são predominantemente mitigatórias e abarcam um amplo leque de medidas de engenharia, que tentam controlar o processo físico ou o perigo.

A remoção do objeto exposto ao risco, no caso os moradores (na sua imensa maioria, vulneráveis e de baixa renda) acaba sendo uma das soluções mais praticadas.

A complicação que advém dessa medida é que, ao eliminar a exposição aos riscos socioambientais, por vezes, por se tratar de uma solução fragmentada, não se garante que os moradores não serão expostos a outros riscos como os de desagregação familiar, desemprego, isolamento, distanciamento dos núcleos urbanos centrais e submissão à violência urbana (MORETTI; CANIL; CARVALHO, 2019).

Levantamento recente do Observatório de Remoções aponta que, entre os anos de 2017 e 2018, ao menos 254 áreas encontravam-se ameaçadas de remoção por estar demarcadas como áreas de risco alto ou muito alto na Região Metropolitana de São Paulo, sendo esta a maior causa de ameaças de remoção (LINS; ROLNIK, 2018). Trata-se de áreas localizadas, em sua maioria, na periferia da metrópole, quase sempre ocupada pela população de baixa renda.

Desde o início do mapeamento de remoções, são recorrentes as denúncias de famílias sendo removidas por conta do risco, muitas vezes, sem que sejam ao menos apresentados estudos aprofundados sobre a condição de risco, alternativas de intervenção para mitigação do risco ou sequer atendimento habitacional adequado por parte do poder público.

Ao refletir sobre medidas de mitigação de riscos, a ideia do “cobertor curto”, que pode solucionar de um lado, mas complicar de outro, vem se somando a outras, concorrendo para tornar a remoção a principal solução frente a situações de risco. Essa ação, em geral, não acompanha uma visão holística da situação e não contribui para promover ações integradas, mantendo o status quo de (re)produção de uma cidade desigual e injusta, como no caso de São Paulo.

A interação do LabGRis e do LabJUTA tem resultado em diálogos interdisciplinares sobre essa matéria, de forma a integrar pontos de vista da Gestão de Riscos e da Justiça Territorial. Nesse sentido, este artigo busca:

  1. apresentar um breve histórico sobre os mapeamentos de risco em encostas no Brasil, entre avanços e críticas;
  2. discutir a perpetuação da cidade segregada a partir das remoções e
  3. relatar estudos de caso de mapeamentos de risco, para além da setorização demonstrando interesses difusos sobre o mesmo espaço, como no caso o Morro da Lua, Zona Sul de São Paulo.

Clique aqui para ler o artigo na íntegra

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