Fotografia antiga da história da medicina intensiva mostrando um paciente dentro de um respirador mecânico negativo chamado pulmao de ferro observado por uma enfermeira de pé e um médico sentado

História da medicina intensiva: entre crises e tecnologias

O que você vai ler

Mecânica para respirar, eletricidade para manutenção da vida, Big Data para decisões complexas. Mobilizada por grandes crises da saúde pública, a história da medicina intensiva é marcada pelo avanço tecnológico. Hoje, novas transformações técnicas da sociedade reafirmam o papel da área como principal linha de frente da inovação técnica na ciência médica.

Começou em uma epidemia de poliomielite e chegou à pandemia de Covid-19 que, há pouco tempo, assolou o mundo. Não importa a crise, ao se aliar com os principais avanços tecnológicos de cada época, a medicina intensiva se afirmou como a área mais inovadora da ciência médica. E com isso tem cumprido sua grande vocação de cuidar das pessoas e dar esperança ao mundo.

Neste texto você vai entender como surgiu a medicina intensiva, por que ela está entre as modalidades mais inovadoras da área médica e como o cuidado com pacientes críticos foi determinado pelos paradigmas tecnológicos de cada época.

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Medicina Intensiva e a vida no limite

Poucas áreas da medicina carregam um peso tão intenso quanto a medicina intensiva. Ela se ocupa dos pacientes em seus momentos mais frágeis, quando a vida se equilibra no fio tênue da sobrevivência e cada decisão pode definir o desfecho entre a recuperação e a perda.

Neste cenário, cada segundo importa e cada avanço tecnológico também. É neste difícil balanço que os médicos intensivistas atuam para reduzir o sofrimento e garantir as melhores chances de recuperação dos pacientes.

Apesar de ser um campo relativamente novo, a medicina intensiva tem uma longa história de superação de limites antes considerados intransponíveis.

Desde a epidemia de poliomielite até a pandemia de covid-19, essa área foi o primeiro palco de soluções que mudaram os rumos da medicina e redefiniram a ciência médica.

Das intervenções mecânicas, ao monitoramento elétrico, dos cálculos computacionais aos aprendizados de máquina à beira do leito, a história da medicina intensiva é também a história da revoução tecnológica contemporânea.

O princípio mecânico da vida: a epidemia de Poliomielite e a luta para respirar

No início do século XX, a poliomielite aterrorizava populações ao redor do mundo. O vírus atacava o sistema nervoso, levando à paralisia e, em muitos casos, à insuficiência respiratória fatal.

Em 1927, o higienista industrial Philip Drinker, da Universidade de Harvard, desenvolveu o primeiro pulmão de ferro, um dispositivo que utilizava pressão negativa para auxiliar a respiração de pacientes que perderam o controle dos músculos respiratórios. No ano seguinte, o pulmão de ferro auxiliava o primeiro tratamento de uma criança com poliomielite e abria caminho para o surgimento das UTIs modernas.

Embora bastante invador, no entanto, o pulmão de ferro era grande, caro e de uso restrito. Desse modo, e à medida que a poliomielite se espalhava, sua limitação se tornou evidente. Esse problema se mostrou particularmente crítico em 1952, quando um grande surto da doença atingiu a Dinamarca.

Bjørn Ibsen: o pai fundador da medicina intensiva

Com hospitais sobrecarregados e uma taxa de mortalidade alarmante, o anestesiologista dinamarquês Bjørn Ibsen percebeu que a ventilação negativa dos pulmões de ferro não era suficiente para salvar os pacientes com insuficiência respiratória grave.

Fotografias antigas da história da medicina intensiva mostram Bjørn Ibsen cuidando de crianças em leitos de UTI
Bjørn Ibsen: o inventor dos ventiladores médicos e das unidades de terapia intensiva. Créditos: Medicinsk Museion

Ibsen proôs uma abordagem diferente para cuidar dos pacientes com pólio incapazes de respirar: em vez da ventilação por pressão negativa, a ventilação mecânica intermitente por pressão positiva. Ou seja, saem os pulmões de ferro e entram as traqueostomias e bolsas de ventilação realizadas manualmente por médicos e estudantes.

Essa técnica inovadora reduziu drasticamente a mortalidade e provou ser muito mais eficiente do que o pulmão de ferro. O sucesso da abordagem de Ibsen, aliás, levou à criação das primeiras Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Surgiam, assim, os primeiros locais especializados no atendimento a pacientes críticos, onde a ventilação mecânica moderna se tornou um dos pilares do suporte à vida.

Esse episódio consolidou o paradigma mecânico na medicina intensiva: a ideia de que máquinas podem auxiliar nas funções vitais do corpo humano. A partir daí, estava aberto o caminho para a evolução dos ventiladores mecânicos modernos e de outras formas de suporte à vida em UTIs.

A vida como corrente elétrica: o monitoramento dos sinais e a consolidação das UTIs

Se a poliomielite consolidou a era da ventilação mecânica,  as consequências do pós-Segunda Guerra impulsionaram uma revolução ainda maior. Isso porque, com o avanço da anestesia e das cirurgias de grande porte, emergiu a necessidade de monitoramento constante de pacientes graves.

Desse modo, o desenvolvimento de aparelhos elétricos para medição da pressão arterial, saturação de oxigênio e batimentos cardíacos foi um divisor de águas.

Na década de 1960, médicos como Peter Safar, James Elam e William Kouwenhoven criaram os primeiros protocolos modernos de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) e desenvolveram os primeiros desfibriladores elétricos, permitindo a reversão de paradas cardíacas em tempo real.

Em outras palavras, o paradigma elétrico permitiu algo impensável algumas décadas antes: a monitorização contínua da vida em sua expressão mais delicada. Assim as UTIs começaram a se expandir pelo mundo e o intensivista passou a ser reconhecido como um especialista essencial para a medicina hospitalar.

A era dos computadores e o princípio informacional da vida

Posteriormente, nos anos 1980 e 1990, a medicina intensiva entrou na era digital. O desenvolvimento dos monitores multiparamétricos, que captavam e processavam automaticamente informações vitais, transformou a prática médica.

Assim, um médico intensivista podia olhar para uma tela e ver, em tempo real, o ritmo cardíaco, a pressão arterial, a saturação de oxigênio e a atividade cerebral de um paciente. Softwares começaram a ser desenvolvidos para analisar tendências e prever complicações antes que elas ocorressem, tornando a UTI um espaço cada vez mais preciso e tecnológico.

No entanto, essa evolução também trouxe desafios: o excesso de informações exigia dos médicos uma capacidade analítica ampliada. Afinal, o volume de dados clínicos gerados por um único paciente passou a ser gigantesco e exigiu novas abordagens para interpretação e tomada de decisões.

Covid-19 e novas inteligências maquínicas

Se antes a poliomielite exigiu a invenção da ventilação mecânica e a guerra acelerou a monitorização dos sinais vitais, os desafios atuais eram outros. Mais precisamente, lidar com uma crise global de pacientes críticos simultaneamente.

A pandemia forçou hospitais ao limite, expondo a fragilidade dos sistemas de saúde. O que se viu foi uma necessidade emergente de otimizar recursos, tempo e decisões médicas – e foi nesse cenário que o paradigma da inteligência artificial, sensores e machine learning começou a emergir como a nova fronteira da medicina intensiva.

Combatendo a pandemia com Inteligência Artificial

Durante a pandemia de Covid-19, soluções baseadas em Inteligência Artificial e Machine Learning foram essenciais para otimizar o atendimento nas UTIs.

Modelos preditivos, como o AI4COVID-19, ajudaram a identificar pacientes com maior risco de agravamento, antecipando a necessidade de ventilação mecânica. Já ferramentas como o M-qXR aceleraram o diagnóstico ao analisar exames de imagem, reduzindo a sobrecarga dos profissionais de saúde.

A gestão de recursos também foi aprimorada com IA. O COVID-19 Capacity Predictor auxiliou na distribuição eficiente de leitos, evitando superlotação, enquanto sistemas como o CLEWICU monitoraram sinais vitais, detectando piora clínica com horas de antecedência. Isso permitiu respostas mais rápidas e eficazes, aumentando as chances de recuperação dos pacientes.

Além disso, o suporte à decisão clínica foi otimizado com IA, como no caso do Watson Health, que sugeria tratamentos baseados em diretrizes médicas. Essas inovações trouxeram um legado inestimável para a medicina intensiva, tornando o atendimento mais ágil e preciso, melhorando a eficiência hospitalar e salvando vidas.

O futuro da medicina intensiva

A medicina intensiva nasceu da necessidade de enfrentar emergências médicas e evoluiu à medida que novas crises surgiram.

Se antes a tecnologia foi capaz de substituir funções do corpo e monitorar sinais vitais, agora ela já aprende com os dados e auxilia médicos na tomada de decisões em tempo real.

No entanto, mesmo toda a tecnologia do mundo não muda um fato fundamental: a medicina intensiva é uma área vocacionada a cuidar das pessoas e, por isso, é profundamente humana.

Afinal, a medicina intensiva não se resume a máquinas ou algoritmos. Ela é, antes de tudo, a expressão mais profunda do compromisso humano em lutar pela vida, mesmo nos momentos mais incertos.

A mesma missão que motivou Bjørn Ibsen, Peter Safar, James Elam e segue motivando tantos outros a trazer esperança e alento aos pacientes que mais precisam.

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