Quem ama comida sabe que arte e gastronomia sempre estiveram entrelaçadas. Essa relação, porém, só começou a ser publicamente assumida há pouco tempo. Isso porque o paladar e o olfato foram consistentemente menosprezados por artistas e filósofos ao longo da História.
As experiências estéticas à mesa, contudo, se tornaram infinitamente ricas e cobiçadas no mundo hoje. Filas quilométricas e reservas em restaurantes que demoram anos revelam uma busca não só pelo sabor, mas pela arte multissensorial criada por chefs de cozinha.
As diversas maneiras pelas quais a arte e a gastronomia se complementam e se desafiam mutuamente podem ser vistas tanto nos lanches de rua quanto nas galerias de arte.
Da estética visual de um prato bem apresentado até a criatividade por trás de cada receita, neste texto você vai mergulhar no mundo onde os sabores se encontram com a arte, chefs que revolucionaram a alta gastronomia e experiências que seduzem os 5 sentidos.
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Os amantes da arte da mesa sabem que boa parte da experiência gastronômica vem da primeira impressão. Afinal, não é só com a boca que nós comemos, mas também com os olhos! Isso quer dizer que uma refeição marcante vai além dos sabores: ela tem a ver com o modo como experimentamos o alimento.
Aliás, se engana quem acha que essa experiência se resume à visão. Pelo contrário, o mais comum é que outros sentidos cheguem até nós antes mesmo de vermos a comida. Pense no som de um bife na chapa ou no cheiro de um bolo assando. Bastam esses estímulos para nossa boca se encher de saliva, expectativa e fome.
Se você parar para pensar, o paladar, na verdade, é o último sentido experimentado na hora de comer.
Mesmo o tato é experimentado antes, quando checamos se o pão está macio, se a sopa está muito quente ou a fruta madura. Em outras palavras, a arte da gastronomia é multisensorial porque nós usamos todos os sentidos para comer. Alcançar a melhor expressão para cada um dos sentidos é certamente um requisito entre os melhores chefs do mundo.
Entendendo a relação entre arte e gastronomia
Por se oferecer aos sentidos, a gastronomia é um lugar de exercício estético por excelência. A arte da mesa está aberta a toda expressão:
- visual
- tátil
- olfativa
- gustativa
- auditiva
Mas isso quer dizer que a gastronomia é uma arte em si ou somente um meio para a arte se expressar?
Qual a arte da gastronomia?
Gastronomia é a arte de mesclar técnicas, criatividade e conhecimento na criação de pratos excepcionais e gratificantes. Para além do sabor, é uma expressão cultural que conecta pessoas através do prazer compartilhado à mesa, transformando ingredientes em experiências inesquecíveis.
“Quando vou a um restaurante de alta gastronomia, fico animado e espero encontrar propostas para despertar meus sentidos.”
Ferran Adrià, chef do El Bulli
No entanto, embora compartilhe muitas qualidades com a arte a gastronomia também possui características únicas que desafiam sua classificação como uma forma de arte no sentido convencional. Talvez se encaixe melhor em uma categoria própria, que cruza fronteiras entre arte, artesanato e ciência, oferecendo uma experiência rica e complexa que é tanto estética quanto funcional.
Estética na gastronomia além dos 5 sentidos
Em suma, acho que podemos concordar que comer não é o mesmo que mastigar e engolir. Comer é uma experiência que envolve os 5 sentidos do corpo.
Porém, mesmo essa definição ainda é insuficiente. Porque a gastronomia não é só sobre uma alimentação que fala aos 5 sentidos. Como é uma experiência estética completa, a gastronomia tem haver não apenas com os sentidos, mas com o sensível.
Duvida? Como um bom livro ou filme, um ótimo prato pode transportar a pessoa para outros lugares, contar uma história ou trazer à tona memórias e sentimentos. Memórias, sentimentos, sensações: o sensível próprio da arte é sobre isso.
Chefs como Artistas da Comida
Embora seja um caso à parte, podemos pensar nos chefs como artistas do mundo culinário. Eles brincam com texturas, cores e formas para dar vida e significância às receitas que criam e preparam.
Porque a gastronomia é uma arte efêmera, mas replicável. Como a música, pode ser escrita e interpretada. E também como a música, só existe no tempo em que é experimentada por nós, mas perdura na memória.
Porém, não pode ser assoviada ou batucada numa mesa. Como a pintura, a gastronomia precisa de suas telas, tintas e pincéis, ou pratos, ingredientes e facas.
Sua expressão é talvez mais próxima à arte dramática. Como o teatro, a gastronomia acontece uma única vez e somente para o seu público.
5 chefs que elevaram a arte da gastronomia
Alguns chefs levam esta arte para o próximo nível. Vamos destacar alguns que estão realmente ultrapassando os limites. Seus pratos são mais do que apenas refeições: são expressões criativas. Desde a montagem criativa até sabores inovadores, esses chefs estão redefinindo o que significa cozinhar.
Alain Ducasse
Alain Ducasse, nascido em 1956, é um chef e empresário mundialmente famoso, com contribuições significativas à culinária francesa e internacional.
Ducasse também se destaca na educação culinária, com escolas de culinária sob sua marca. Seu estilo inovador, que equilibra modernidade e tradição, influencia chefs globalmente e eleva a indústria culinária.
Sua receita mais icônica é o “Louis XV”, um prato assinatura do seu restaurante três estrelas Michelin em Monte-Carlo.
Anne-Sofie Pic
Anne-Sophie Pic é uma chef francesa renomada, conhecida por ser a única mulher na França a ter um restaurante com três estrelas Michelin, o Maison Pic em Valence.
Pic também expandiu seu império culinário com restaurantes em Paris, Londres e Lausanne, mantendo um compromisso com a excelência e a inovação na alta gastronomia.
Seu prato mais icônico é o famoso Berlingots, um prato criativo e visualmente impressionante que reflete a habilidade e a inovação de Pic na culinária.
Ferran Adrià
Ferran Adrià é o artista por trás do El Bulli, restaurante na Costa Brava que sob sua liderança se tornou um dos mais inovadores do mundo, recebendo três estrelas Michelin.
O chef é famoso por técnicas experimentais e uso da ciência para criar pratos únicos, desafiando as normas tradicionais da culinária. Suas técnicas incluem, entre outras, a esferificação e emulsificação.
Adrià é conhecido por uma variedade de pratos icônicos que definiram a gastronomia contemporânea. Entre esses, se destacam a criação da espuma de judías blancas con erizos (espuma de feijão branco com ouriços do mar), a primeira espuma servida no El Bulli, um marco na gastronomia molecular.
Heston Blumenthal
Outro representante da gastronomia molecular, Heston Blumenthal é um chef britânico renomado e conhecido por sua abordagem inovadora e científica na gastronomia. Ele ganhou fama com seu restaurante The Fat Duck em Bray, Berkshire, conhecido por seus pratos criativos e experiências gastronômicas únicas.
O prato mais icônico de Heston Blumenthal é, sem dúvida, o “Nitro-Scrambled Egg and Bacon Ice Cream”. O prato é feito ao vivo na frente dos convidados, utilizando nitrogênio líquido para preparar um sorvete com sabor de ovo mexido e bacon, servido em uma casca de ovo comestível com caramelo de bacon. Uma experiência gastronômica memorável e altamente teatral que provoca nossas percepções tradicionais sobre sabores e texturas.
Massimo Botura
Massimo Bottura, nascido em 1962, é um renomado chef italiano e proprietário do Osteria Francescana em Modena, um restaurante três estrelas Michelin e frequentemente nomeado um dos melhores do mundo.
Um exemplo notável de seu trabalho criativo é a reinvenção do clássico prato italiano “risotto cacio e pepe”, em que ele transforma os ingredientes tradicionais em uma forma completamente nova, mantendo os sabores essenciais do prato original.
Acho que deu para entender que, quando o assunto é arte e gastronomia, existe um mundo infinito a se explorar cheio dos artistas e obras de arte que lhe são próprias. Gastronomia, afinal, é mais do que cozinhar. É uma forma de arte especial e aprticula que encanta todos os nossos sentidos.
Por isso, na próxima vez que você sair para jantar, deixe a língua atenta, mas também os olhos, ouvidos, memórias, sentimentos, afetos… e bon appétit!