Arquitetura vernacular: inspiração para a era da sustentabilidade

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Autora: Ana Carolina Veraldo

Muito se fala hoje em dia em construções naturais, bio-arquitetura, construções ecológicas e eficientes que fazem referência a uma arquitetura que prioriza o uso de materiais naturais locais, a arquitetura vernacular.

Essa maneira de construir, minimiza o consumo de materiais industrializados, gerando menor impacto ambiental em todos os níveis de seu ciclo de vida.

Estes são termos recentes por promoverem a sustentabilidade das edificações, mas suas raízes são antiquíssimas. Aliás, o uso de materiais naturais acompanha a história da humanidade.

Há evidências de que as primeiras construções da humanidade, feitas de madeira e palha, datam de 100.000 A.C. Tratava-se provavelmente de abrigos temporários quando se distanciavam de suas cavernas para caçar, pescar ou colher seus alimentos.

Com o passar do tempo, os homens aprenderam a lidar e a aproveitar melhor os recursos da natureza. Passaram a construir seus abrigos com outros materiais, utilizando por exemplo, a terra (crua ou endurecida pelo fogo), o bambu, a palha, as pedras ou o feno.

Os povos antigos sabiam analisar a conformação do lugar para encontrar o lugar ideal para construir suas moradas. Além disso, utilizavam com maestria os recursos locais para construir estruturas arquitetônicas magníficas e até cidades inteiras.

arquitetura vernacular
Regiões onde há tradição na construção com terra

Há ruínas de edifício de aproximadamente 5.000 A. C. e patrimônios arquitetônicos encontrados no Oriente, na Ásia, norte da África, na Europa e mais recentes no continente americano.

Cidades de terra crua

Um vasto Patrimônio Mundial reconhecido pela UNESCO em Arquitetura de Terra como as cidades de Ghadamés (na Líbia) e Shibam (no Iêmen), que por serem desenvolvidas com poucos recursos e em um ambiente hostil, são em sua essência cidades ecológicas e inspiração para a era da “sustentabilidade”.

Ghadamés

Conhecida como ‘a pérola do deserto’, é um oásis na zona ocidental da Líbia. Tem uma população de aproximadamente 10 mil habitantes, situada perto das fronteiras com a Argélia e a Tunísia.

Ghadamés, no Oeste da Líbia, vista de cima
Ghadamés, na Líbia, vista de cima

Primeiramente, é uma das cidades pré-saarianas mais antigas e um exemplo notável de um assentamento tradicional que surgiu em perfeita harmonia com o ambiente circundante.

A sua arquitetura doméstica caracteriza-se por uma divisão vertical de funções. O primeiro andar é destinado ao armazenamento de suprimentos, enquanto o outro andar era destinado para abrigar a família, pendendo sobre becos cobertos que formavam uma rede subterrânea de passagens. Os terraços, ao ar livre, eram reservados às mulheres.

Beco subterrâneo em Ghadamés, Líbia

Sem madeira e sem pedra, a matéria-prima utilizada nas construções foi a terra (blocos de adobe). Formada pela natureza ao longo de milhões de anos a partir de processos de desgaste, rupturas, quebras e fragmentação das montanhas que o circundam, que constituíram os grãos de diferentes tamanhos do solo.

Xibam ou Shibam

Apelidada de “Manhattan do deserto”, é uma cidade no Iêmen com as maiores habitações em terra do mundo.

Este complexo urbanístico fica em uma colina rochosa em meio a um vale desértico. Formado por cerca de 500 edifícios em terra que chegam a ter oito andares e trinta metros de altura, que datam a partir do século XVI.

Xibam ou Shibam, a “Manhattan do deserto”, no Iêmen

As técnicas de construção com terra, surgiram em quase todas as civilizações do passado. Expandiram-se através das invasões e colonizações comuns na história da humanidade. Não é à toa que ⅓ da humanidade vive em edificações produzidas com terra.

Segundo pesquisadores do grupo CRAterre, um laboratório de Investigação da Escola Nacional de Arquitectura de Grenoble (França), o solo propício à construção constitui cerca de 74% da crosta terrestre.

Rua em Shibam, no Iêmen

Porque é sustentável?

O livro “Traite de construction en terre crue”, apresenta de forma sintética 18 técnicas construtivas em terra crua, com um número infinito de variações que refletem a identidade de diversos lugares e culturas.

Este fato se deve, principalmente, pela ampla disponibilidade desta matéria-prima e a sua versatilidade. Por se tratar de um material natural, atóxico, de fácil acesso e não passar por transformações de caráter industrial, a produção de edificações em terra dispensam gastos energéticos exacerbados. Assim, contribuem com a mitigação das emissões de CO2 do ar, minimizando a poluição sonora de canteiros de obras e desmatamentos.

Muitas vezes é possível construir com o solo do próprio terreno. O que garante menor energia incorporada quando comparada com outros materiais convencionais, como por exemplo, os tijolos cerâmicos. Além disso, paredes de terra crua dispensam revestimentos cimentícios e até mesmo pinturas.

A terra é um material de construção que garante a manutenção do equilíbrio ecológico e a saúde das pessoas. É atóxico e não necessita passar por processos de cozimento ou queima, como acontece com os tijolos cerâmicos, apesar destes também serem um produto que advém da terra.

Terra: crua ou cozida

A mudança de uso do tijolo cru (adobe) para o tijolo cozido (cerâmico) representou um avanço tecnológico para muitos agentes da construção civil logo após a revolução industrial, por este último apresentar grande resistência às intempéries e maior solidez por peça.

No entanto, sob o ponto de vista ambiental, a produção de tijolos cozidos é causadora de grande quantidade de desmatamento. Dessa forma, contribui para os problemas decorrentes desta ação, como a poluição do ar e erosões do solo.

Um estudo de ACV (Avaliação do ciclo de vida) de um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá-PR, indica que o transporte de argila para a olaria e o transporte dos blocos cerâmicos prontos até o consumidor final, foram quem mais contribuíram para os impactos ambientais potenciais. Nesse sentido, a substância que mais contribuiu para os impactos nas categorias analisadas, foi o óleo diesel.

Mudando a maneira de pensar

Sabemos que advento da Revolução Industrial provocou a rejeição, de um modo geral, aos produtos manufaturados. Em nome do progresso, as tecnologias consideradas rudimentares – entre elas a técnica construtiva da taipa de mão (paredes de pau-a-pique) assim como o adobe (blocos de terra moldados à mão em estado plástico), foram sumariamente desprezadas, consideradas arcaicas e insalubres.

arquitetura vernacular
Detalhe da parede feita com a técnica da taipa de mão

Depois, a relação que foi estabelecida entre as casas de taipa de mão e a Doença de Chagas. Assim, fez com que estas passassem a ser consideradas sinônimos de contaminação e insalubridade. Como resultado, as camadas mais pobres da população que utilizam tais casas pois não têm outro meio de garantir seu abrigo.

No entanto, muitas dessas objeções são mito e as técnicas construtivas com terra estão passando por inovações e sendo empregadas inclusive em projetos de alto padrão.

Você conhece as construções contemporâneas em terra? Gostaria de saber mais sobre este assunto?

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